Para mim, em termos de Desporto, existem
apenas dois estados de espírito: ou
estou a treinar para correr uma maratona
ou não estou. Comecei a correr competitivamente
em 1975, mas apenas em 1977 corri a.
minha primeira maratona.
De 1979 a 1984, tenho
gasto metade do meu tempo livre a preparar-me
para correr uma maratona e a outra
metade lamentando-me por não ter conseguido
corrê-la dentro de uma performance desejada,
tendo a certeza de que um melhor nível de
treino me faria atingir.
Quando não estou em fase de treino para a
maratona, a quilometragem média semanal
dificilmente excede 70 km. Não tenho preocupações
maiores com a dieta nem com o repouso.-
A cervejinha e outras bebidas de carácter
social são mais frequentes. Quando, no entanto,
tomo a decisão de participar numa
maratona, a minha vida, horários) programas
e tudo o mais passa a ser fixado em função
do plano de treino que traço para mim mesmo.
São cerca de três meses de treino específico, crescente em sacrifício, em determinação, mas
certamente recompensador se atinge os objectivos
desejados. Lamentavelmente, por uma
dessas coincidências, as minhas actividades
profissionais passaram a exigir mais de mim
precisamente quando comecei a correr as
minhas maratonas.
No entanto, dentro do tempo que tenho
disponível, e apoiando-me no mínimo de repouso que consigo conciliar com as actividades
profissionais e desportivas, procuro empenhar-me,
arduamente, na dura meta que é
correr 42.195 metros no menor tempo possível
e com o mínimo de sacrifício. Só quem correu
uma maratona, quem sofreu uma maratona,
quem encontrou a barreira uma vez ou mais
pode avaliar a intensidade e amplitude do
esforço.
Há momentos, lá para o quilómetro 30
ou 35, que se sente cãibras nas per-nas, dores
nos joelhos, na coluna, nos pés, pernas
pesadas, para além de um mal estar, indescritível,
em que só se tem vontade de parar. Já
ouvi alguém fazer uma comparação de que
correr uma maratona é como montanha russa:
inicia-se entusiasmado mas, geralmente,
quando se chega ao meio, decide-se que é a
última vez que se faz esse sofrimento. Ao
chegar ao final, passada a dor e a angústia,
a primeira expectativa é pensar-se em correr
melhor na próxima vez.
Princípios BÁSICOS DO TREINO
Não me parece lógico que se pretenda ficar
indefinidamente no máximo da forma. Assim,
dentro de uma vasac de macroplaneamento, o
atleta deve escolher as corridas que mais lhe
interessam durante um ano e, a partir daí,
passar a fazer planos de treino mais específicos. Uma maratona exige um mínimo de três
meses desse tipo de preparação, tempo necessário
para que o corredor adquira uma boa
endurance, a não ser que ele esteja num nível
de preparação muito fraco.
Nesta fase de
endurance, deverão ser vencidas, gradual e
sistematicamente, as barreiras fisiológicas e
psicológicas para se enfrentar a maratona.
Devo confessar que, em cada nova preparação
especifica, sinto, nas primeiras semanas, as
mesmas dificuldades de superar os obstáculos
e correr grandes distâncias sem parar, em
ritmos uniformes.
Para sofrer menos, procurei pesquisar
mais e conversar com corredores mais experientes.
Ler o que os especialistas, treinadores
ou corredores de elite defendem como
factores mais importantes para nortear os
planos de preparação. Passei·a analisar mais os resultados, em função do sistema que
adoptei, devidamente registados nos meus
diários de corrida, comparando-os com outros
companheiros de melhor ou pior nível de
preparação. Comecei a manifestar as minhas
primeiras conclusões aos companheiros mais
próximos; passei a orientar pessoalmente
vários corredores baianos, procurando torná-
-los disciplinados, refreando-os no seu
natural entusiasmo de querer progredir rapidamente
e a fiscalizar se estavam ou não a
obedecer aos intervalos mínimos de recuperação
e de repouso.
Vieram os primeiros artigos e palestras em
seminários desportivos, até que a revista de
corrida "Viva" me deu oportunidade de -:trabalhar
com um universo bem maior, passando a
elaborar planos de treino para a maratona
Jornal do Brasil, o que quer dizer que passei
a divulgar as minhas ideias para milhares de
corredores brasileiros. Uma experiência
interessante, que me proporcionou uma visão
ainda mais vasta do panorama, pelas centenas
de outras informações que passei a receber
dos atletas que seguiam os meus planos de
treino. E assim que, possibilitando ajusta mentos sucessivos e melhorias periódicas, sem
qualquer pretensão utópica que um programa
formulado à distância, sem possibilidade ce
diálogo permanente, atinja um nível ideal de
eficácia.
~ importante que haja consciência de que
cada indivíduo é um universo e dessa maneira
cada um reage de forma diferente ao treino. ~
fundamental, portanto, que o atleta procure
sentir qual é a reacção do corpo às sessões
de treino, procurando sempre observar períodos
de recuperação dentro do próprio treino
e entre um treino e outro.
Para se correr bem uma maratona deve-se
ter em mente que é importante obter uma
preparação tal que lhe dê uma boa dose de
resistência, combinada com um razoável nível
de velocidade. A resistência é obtida pelo
aumento de volume do trabalho, isto é, aumento da quilometragem média semanal. Consegue-se
maiores velocidades com treinos de pista
(exercícios de coordenação, flexibilidade e
por intervalos), para completar a parte
aeróbica, algumas corridas de estrada, em
distâncias de 6 a 15 quilómetros (a depender
do nível do atleta e do seu grau de treino),
em ritmo mais forte.
Mas, a maratona exige ainda mais dois
pontos que podem ser adquiridos na fase de
treino: ritmo e auto-co~iança. O ritmo pode
ser obtido pelo hábito do seu controlo, quer
em distâncias maiores ou menores. Depois de
um certo tempo, o atleta pode saber, com
razoável grau de precisão, em que ritmo está
a correr, e isto parece-me importantíssimo
para se poder correr bem uma maratona, já que
o atleta passa a a cadenciar melhor o seu
próprio esforço, não se deixando influenciar,
directamente, por corredores mais rápidos ou
mais lentos. A auto-confiança de que correrá
a prova não deve ser apenas apoiada em aspectos
psicológicos. Você tem de ter a certeza
de que o seu corpo e a sua mente estão preparados
para correr uma distância superior a
42 km. E isto só pode ser obtido com O aumento
progressivo das distâncias, nos treinos
prolongados semanais. Assim, antes de correr
os 42 km da prova, você já deve ter corrido,
em treino, possivelmente mais de uma vez, a
distância de 35 km. Um pouco antes, duas ou
três vezes, 30 km; no início do treino específico,
25 ou 20 km. Assim, gradualmente,
você está a acostumar-se e no dia da prova,
sem qualquer dúvida,' irá concluí-la sem
grandes problemas.
As minhas tabelas de treino foram organizadas
para seis diferentes níveis, que denominei
de 118" a "Gil, sendo essa classificação
em função da expectativa que o atleta tem
para o seu tempo final na maratona. Não tenho
incluído para os atletas de elite, de nível
"A", que devem terminar a prova abaixo das
2h20, por entender que os mesmos seguem
planos de treino específicos orientados pelos
seus técnicos pessoais. Por outro lado, para
os que nunca correram a distância, a expectativa
para O tempo total da maratona, tendo em
vista a escolha de nível, pode ser feita a
partir do melhor tempo obtido pelo atleta na
distância de 10 mil metros, conforme a correlação
que apresento em tabela anexa.
Como podem observar, os princípiOS básicos
de treino que defendo são simples e lógicos,
e dentro deles estabeleço tabelas em que as
directrizes gerais são fixadas, cabendo ao
corredor ajustá-las, adaptá-las às suas
condições pessoais, levando em conta o nível
actual da sua condição física, temperamento,
biotipo, tempo disponível para treino e repouso,
etc ..